Eu sempre quis fazer Direito. Desde antes de entrar na faculdade, ficava deslumbrada e encantada com o mundo jurídico, com o mundo acadêmico e suas intermináveis discussões, com os estudantes entusiasmados e sonhadores que queriam mudar o mundo e as barbaridades sociais e jurídicas existentes nos dias atuais.
Quando comecei o curso, como era de se esperar, fui tomada por esse mesmo ideal. Vi-me, diversas vezes, indignada com as injustiças praticadas contra os mais fracos e, principalmente, com o total descaso com as leis, com os direitos humanos, sociais e individuais. Vi-me indignada com a corrupção e com a impunidade, com os "embargos de gaveta", com a conformidade diante do desrespeito às leis e à Constituição Federal.
Tive a oportunidade de estudar em Brasília, terra das grandes decisões judiciais e dos Tribunais Superiores. Fiz estágio por dois anos no STJ, por um ano e meio na AGU, tive aulas na graduação com Ministros desses Tribunais. Apaixonei-me pelo Direito Penal, mas acabei casando com o Civil. Vivi todas as experiências gratificantes que um estudante desse curso pode vivenciar ao longo de sua formação.
Mas nada do que eu vivi conseguiu mudar a minha revolta, a minha indignação. Foi por isso que acabei optando, ainda durante a faculdade, pela advocacia. Foi por isso que, sempre que algum professor perguntava em sala de aula o que queríamos fazer após o término do curso, enquanto oitenta ou noventa por cento da sala levantava a mão para a opção concurso público, eu levantava a minha para a opção advocacia.
Na minha ingenuidade eu achava que, como advogada, eu poderia defender os direitos violados, poderia fazer a diferença para os injustiçados. Eu sonhava em fazer valer, com as minhas próprias mãos, as garantias asseguradas pela nossa legislação. Eu queria ver a satisfação no rosto dos clientes quando eu os informasse que os seus direitos haviam sido reconhecidos pelo Judiciário e as injustiças contra eles reparadas.
E assim eu fiz... Terminei o curso, voltei para Natal, passei no exame da OAB e encarei a advocacia. De frente. E sozinha. Pois eu não queria fazer parte da equipe de um grande escritório, me matar de trabalhar para fazer o nome de outras pessoas e, o pior de tudo, sem qualquer reconhecimento. Eu queria fazer o meu próprio nome, construir a minha carreira. Tinha plena consciência de que dessa forma seria mais difícil, mas, para mim, quanto maior o desafio, melhor...
As coisas começaram a acontecer, os clientes começaram a aparecer e eu comecei a achar que, de fato, estava fazendo a diferença. Os ideais e a sede por justiça afloraram novamente. Vi-me em êxtase diante de cada liminar concedida, de cada sentença procedente, de cada recurso provido. O trabalho era árduo, mas a recompensa era deliciosamente gratificante.
É claro que eu sabia que a advocacia também tem as suas desvantagens... Prazos a cumprir, sob pena de, muitas vezes, perecer o direito do cliente; noites sem dormir peticionando; clientes que ligam a qualquer hora do dia ou da noite e acham que o advogado tem que estar sempre à disposição dele; não poder adoecer, tirar férias ou viajar; ter que aguentar todo tipo de desculpas dos clientes na hora de receber os honorários a que faz jus... E essas foram apenas algumas das dificuldades que encontrei.
Mais a maior de todas, sem dúvida, a mais desestimulante, vem do próprio Poder Judiciário, na forma como a classe é tratada. Pela lei, não deve haver hierarquia entre juiz, advogado e promotor, mas a prática, muitas vezes, se apresenta de forma bastante diversa. Perdi a conta de quantas vezes tive que esperar horas na porta de um juiz para conseguir falar com ele, muitas vezes sobre a necessidade de diligência em uma medida urgente. Perdi a conta de quantas vezes fui desrespeitada por serventuários mal humorados, que achavam que estavam me fazendo um favor, quando, na verdade, estavam apenas fazendo o trabalho deles. Perdi as contas de quantas vezes tive que praticamente implorar por um simples despacho, mesmo o meu processo já estando empilhado no gabinete do juiz por meses... Que a justiça é cega eu já sabia, mas não sabia que ela também é surda!
E assim persisti por quatro anos. Até chegar ao ponto em que as dificuldades superaram o prazer em exercer a profissão. Até chegar ao ponto em que o desafio, que antes era estimulante, passou a ser frustrante. E assim acabei, no final do ano passado, desistindo da advocacia. Se um dia eu vou voltar, não tenho como dizer, mas, por hora, para mim, não dá mais... Amadureci a idéia durante algum tempo, avaliei as minhas possibilidades, escolhi uma nova carreira para tentar seguir (pois eu me recuso a ser um desses concurseiros que "atiram para todos os lados"); elaborei um plano B - just in case - e continuei a batalha. Uma nova batalha, é verdade, mas a guerra permanece a mesma. Pois os ideais do Direito e a sede por justiça ainda existem dentro de mim. A vontade de fazer valer as garantias, de ser a portadora de boas notícias para os injustiçados e, principalmente, de fazer a diferença, persiste.
Quem sabe, agora, eu finalmente consiga...
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